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  • Foto do escritorGuilherme Moro

Resenha: Psicoacústica - Ira!

Incompreendido e muitas vezes considerado estranho, Psicoacústica é a mais autentica mistura de rock and roll com elementos do hip-hop, música psicodélica e do acústico. Na época foi considerado um fracasso de público, crítica e vendas e só foi ganhar prestigio com o passar dos anos, recebendo o rótulo mais que merecido de um disco cult. Hoje vamos falar de “Psicoacústica”, a viagem do Ira!, de 1988.


Antecedentes

No ano de 1986, o Ira! havia lançado álbum “Vivendo e Não Aprendendo”, que apesar das discussões da banda com produtor Liminha, vendeu mais de 180.000 cópias, chegando ganhar disco de ouro na época. Com o sucesso do álbum, a banda estava com prestigio na gravadora (Warner) e foram convidados para estender o contrato. Na teoria, o próximo álbum da banda seria cheio de músicas com refrões, melodias e arranjos mais fáceis, para ter um apelo comercial maior e seguir a onda de sucesso do disco anterior. Porém, “Psicoacústica” veio na contra mão de tudo isso, com arranjos experimentais, músicas longas, samples obscuros e músicas sem refrão, mostrando toda a autenticidade da banda e escancarando que a mesma não estava nem aí para as regras impostas pelo mundo pop.


Ideias e Concepção

O Ira! conseguiu o respaldo de produzir o álbum sozinho, apenas com ajuda do técnico de som Paulo Junqueiro, que até então era um novato nos estúdios brasileiros e hoje é o presidente na Sony Music no Brasil. Com o aval da Warner, o Ira! entra em estúdio sem nenhuma ideia concreta em mente, mas com a missão de quebrar as próprias expectativas e da gravadora. O vocalista Nasi e o então baterista André Jung estavam com influências do Rap e do Hip-Hop, principalmente por terem produzido algumas faixas da coletânea "Cultura de Rua". Nasi também trouxe a ideia da utilização de samples, principalmente de falas do filme "O Bandido da Luz Vermelha"(1968) do cineasta Rogério Sganzerla. A “maconha da lata", da qual vamos falar no próximo tópico, também teve uma grande influência no resultado final do disco. Músicas do início do Ira!, como “Pegue Essa Arma”, “Poder, Sorriso, Fama” e “Receita Para Se Fazer Um Herói”, estão presentes no repertório do álbum. O disco é conceitual: destaques para as guitarras fantasmagóricas de Edgard Scandurra, os vocais limpos de Nasi, o baixo agressivo de Ricardo Gaspa e a bateria intensa de André Jung.


A Maconha da Lata

No dia 25 de Setembro de 1987, 18 latas foram encontradas boiando em uma cidade pequena do estado do Rio de Janeiro e cada uma das latas continha 1,5 Kg de maconha. A Polícia Federal recebeu um comunicado que o navio Solano Star estava no litoral do Rio de Janeiro contendo 22 toneladas de maconha. A tripulação do navio descobriu e despejou todas latas de maconha presentes na embarcação e ela foi parar nos litorais dos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro. Esse episódio ficou conhecido como “verão da lata de 87”.

A maconha do navio Solano Star, parou nas mãos dos integrantes do Ira! e foi peça fundamental para os momentos de inspiração e busca de "outros sons, outras batidas e outras pulsações". Psicoacústica é conhecido até hoje como o "Disco da Lata" por conta desse episódio.


Faixa a Faixa


Rubro Zorro

"Trata-se de um faroeste sobre o terceiro mundo". É com essa frase que é um sample retirado do filme "O Bandido da Luz Vermelha" (1968) que o álbum se inicia, os primeiros acordes da música são de um violão de tirar o fôlego e uma bateria extremamente intensa, que logo da lugar ao baixo criativo de Gaspa até entregar para o vocal sombrio que Nasi faz nessa música. A música é assinada por todos os integrantes da banda e os destaques são para a letra baseada na vida de João Acácio Pereira da Costa, o Bandido da Luz Vermelha, e para as linhas de guitarra extremamente bem colocadas e estruturadas de Edgard Scandurra.


Manhãs de Domingo

A canção se inicia com um coral quase evangélico que traz ao disco um ambiente calmo e, ao mesmo tempo, intrigante. Logo o coro da lugar a um riff de guitarra frenético, que está no subconsciente de qualquer fã assíduo da banda paulistana. A letra mostra como uma manhã de domingo pode ter a mesma rotina e diferentes significados para pessoas diferentes.


Poder, Sorriso, Fama

Essa canção é a primeira em que a guitarra fantasmagórica de Scandurra dá as caras no álbum. A letra tem um toque muito pessoal de Edgard, que apesar de ter escrito a mesma anos antes do lançamento desse disco, dá-se a entender que o guitarrista estava, naquele momento, vivendo muito do que é relatado na canção. É uma música com um arranjo que certas horas soa muito vazio, o que dá a canção um toque ainda mais real da angústia que o personagem estava passando.


Receita Para Se Fazer Um Herói

Essa música é o primeiro reggae da história do Ira! e é, talvez, a canção mais simples do disco, falando estruturalmente. Conta com um solo de trompete sensacional, mas o verdadeiro destaque da canção é toda a história que envolve sua letra. O próprio guitarrista, Edgard Scandurra, em entrevista à Rádio Gaúcha, contou todo o imbróglio que envolveu essa canção:

“- Um amigo meu do quartel me deu essa letra, oferecendo pra eu fazer uma música. Aí eu fiz a Receita Para Fazer um Herói e entrou no disco. Eu quis ser super honesto com o cara, dizendo que quem escreveu essa música tinha sido um amigo meu, o Esteves. Aí ele me ligou, porque eu tinha inclusive colocado no disco uma mensagem para ele na contracapa "Esteves cadê você?". A gente queria que ele entrasse em contato. Um dia tocou o telefone na minha casa e era o Esteves dizendo que ficou feliz ao saber da música, mas que tinha registrado a letra em um livro em Portugal e não permitiria jamais ela virar uma música. Dias depois ele me ligou e pediu 5 mil reais pra não falar mais nisso. Aí saiu uma carta na Revista Bizz de uma fã indignada, perguntando como que o Ira! pegou a música do grande compositor, poeta angolano Reinaldo Ferreira, ela questionava "como vocês tem coragem de roubar a letra dele e ainda falar que é desse tal de Esteves". Aí a gente descobriu que a letra era desse cara importante e não tinha nada a ver com o Esteves.

Nasi ainda conta que a letra foi liberada pela família do poeta, que nem fez questão de cobrar direitos autorais.


Pegue Essa Arma

Essa música é outro resgate aos primórdios do Ira, cujo nome ainda era grafado sem a exclamação (Ira!). Seu destaque é, sem sombra de duvidas, a linha de baixo magnífica de Ricardo Gaspa: consistente e agressiva ela é marcante por toda a canção. Nasi tem um vocal sombrio e suave que causa na música um clima hostil. A arma descrita na canção não é nenhuma calibre 38 e, sim, a palavra, que como Edgard Scandurra dá a entender, é a maior arma que se pode utilizar para incomodar o sistema. "O terceiro mundo vai explodir!, quem tiver de sapato não sobra", é outra frase sampleada do filme Bandido da Luz Vermelha (1968).


Farto do Rock'n Roll

Mais uma vez, o destaque é Ricardo Gaspa, que é o autor do marcante riff que inicia a música. É a única canção do disco com Edgard Scandurra na voz principal. A letra fala sobre do próprio momento da banda que estava a procura de outras sons, batidas e pulsações, mas sobretudo o guitarrista Edgard Scandurra, que estava realmente farto do rock and roll e nos anos 90 foi atrás de outras sonoridades, fato que o fez entrar de cabeça na música eletrônica com o álbum "Benzina" (1996), em sua carreira solo.


Advogado do Diabo

É a canção do disco com mais dedo de Nasi e André Jung, a música é grande inspiração para o maracatu atômico a Nação Zumbi de Chico Science que regravou a canção. Na minha opinião é a canção do disco que tem mais frases de impacto e o interessante dueto de vozes que André e Nasi proporcionam nunca mais foi repetido na história do Ira!. Além do mais, essa é a unica faixa da banda que contém a voz de André Jung, que nunca foi adepto dos backing vocals. Ao fim da música temos outro sample, mas dessa vez de uma rádio AM evangélica, que Nasi sampleou de uma sessão maldita, a meia noite, onde se pode ouvir um pastor proferindo frases como "Não adianta. Tem que haver rico, tem que haver pobre. Tem que haver branco, tem que haver preto". Ao fim do Sample, se ouve uma porta sendo fechada. Foi uma ideia da banda toda gravar uma porta sendo batida no estúdio e colocar no disco.



Mesmo Distante

Essa música encerra o disco com uma maestria poucas vezes vista no encerramento de um disco. O violão do início, da lugar a elementos psicodélicos no meio da canção e se mistura ao dueto inconfundível de Nasi e Edgard. “Mesmo Distante” é uma autêntica canção do Ira!, onde cada peça funciona maravilhosamente bem, de maneira com que o seja extremamente difícil de se reproduzir ao vivo. A formação clássica da banda tocou a música apenas uma vez, no show de lançamento do disco e só foi tocar novamente 28 anos depois, quando a canção entrou no set da turnê do show intimista, só de voz e violão, denominado "Ira Folk". que virou DVD no final de 2017.


Legado

Psicoacústica demorou para ser considerado um disco clássico. O álbum foi massacrado pela critica da época e seu próprio público, que não entenderam a mudança tão repentina de sonoridade do Ira!. Hoje, o disco é considerado revolucionário e ousado para a época e muito a frente de seu tempo. Em 2015, ele ganhou um relançamento em vinil 180 gramas extremamente fiel ao original. No ano de 2007, ele foi considerado pela Rolling Stone Brasil como o 81° melhor álbum brasileiro de todos os tempos. Em 2018 a banda fez shows em comemoração aos 30 anos do disco, o executando na integra. Hoje, o “Psicoacústica” está eternizado na história por toda sua inovação e conceito. Encerro essa resenha com uma das frases que, particularmente, mais gosto do disco:


"Algo esteja na minh' alma, que me faça enxergar além"

(Edgard Scandurra)

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