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Resenha: Construção - Chico Buarque

Por: Guilherme Moro


Após retornar de seu autoexílio na Itália, no início da década de 70, Chico Buarque voltou ao Brasil e lançou o álbum "Construção”. Esse disco é um dos mais importantes da história da música brasileira e segue até hoje com o status de uma das maiores obras primas musicais já lançadas no Brasil. Com vocês: Chico Buarque - Construção (1971).


Antecedentes e conceitos

A partir de dezembro de 1968, a ditadura instaurada no Brasil endureceu, com mais repressão e censura para os artistas e grande mídia. Tudo isso foi causado pela instauração do AI-5 (Ato Institucional Número 5), que fez com que diversos artistas optassem pelo autoexílio, com medo de que o pior estaria por vir. Chico Buarque, foi um desses diversos artistas que saíram do país temendo por suas vidas e de seus familiares.

O músico carioca optou por exilar-se na Itália, junto de sua esposa que estava grávida da primeira filha do casal. Chico já havia morado na Itália ainda criança, quando seu pai mudou para o país europeu para dar aulas em uma universidade de Roma.

Ele chegou na Itália em 1969, época em que sua música "A Banda" havia sido gravada pela cantora "Mina" e feito enorme sucesso. Por lá, recebeu o nome de "La Banda". Chico aproveitou o sucesso para sair em turnê. Neste ano, com o aval da gravadora "RCA", Chico Buarque lançou um álbum contendo o repertório de seus três discos anteriores, só que com as letras traduzidas para o italiano. O disco não vendeu muito bem e Chico começou a ficar mal das pernas. A situação do cantor, só foi melhorar quando recebeu um adiantamento da gravadora para lançar seu quarto disco de estúdio, intitulado de "Vol. 4", que foi lançado no Brasil. Para a gravação desse disco, todos os arranjos e instrumentos foram gravados no Brasil e só a voz de Chico foi gravada em um estúdio na cidade de Roma.

Chico Buarque só voltou ao Brasil no ano de 1970. Quando chegou em terras tupiniquins, o artista se de deparou com o famoso slogan do governo naquele período: “Brasil, ame-o ou deixe-o” e também com o milagre econômico. Além de tudo isso, o Brasil havia acabado de conquistar a Copa do Mundo de 1970, que tirou os holofotes das barbáries que ainda eram cometidas pelo regime militar. Naquela época a censura ainda perdurava e assombrava os artistas brasileiros. Chico finalizou o álbum “Vol. 4” e pouco tempo depois lançou o Compacto Simples com a canção “Apesar de Você”, que fazia uma critica ao presidente Médici.

Quando deixou o Brasil em 1969, Chico Buarque tinha postura e fama de “bom moço”, além de um perfil neutro. Em sua volta ao país aderiu uma postura mais firme, batendo de frente com o regime, sem medo de qualquer tipo de repressão que ele poderia sofrer e sentiu-se mais seguro para abordar temas políticos e falar sobre coisas que não concordava no Brasil. Uma das grandes características deste álbum é essa mudança de comportamento de Chico, que resultou em letras mais protestantes e em uma sonoridade mais pesada, com mais orquestras e improvisações musicais, deixando pra trás a calma bossa nova e os leves sambas que o cantor gravava anteriormente.

A orquestração do disco ficou por conta o maestro Rogério Duprat, que era o responsável pelas orquestras psicodélicas dos álbuns de Gilberto Gil e Caetano Veloso. O disco recebeu arranjos do músico Magro, que era integrante do “MPB-4” a produção de Roberto Menescal. A parte técnica contou com a participação de Marco Mazzola, que nos anos 80 seria um dos responsáveis pelo sucesso astronômico da banda RPM.

Lançado em 1971, pelo selo Philips, o álbum foi um sucesso e chegou a vender 10.000 cópias por dia e essa alta demanda obrigou a gravadora a prensar o disco em outras fábricas. O álbum é autêntico, tem um som extremamente brasileiro, inovador e preciso. A contracapa do disco traz a letra da canção “Construção”, deixado a mensagem bem clara ao remetente.


Faixa a Faixa


Deus Lhe Pague

Mostrando toda a mudança de sonoridade e conceito de Chico, “Deus Lhe Pague” soa sombria, pesada e densa. A letra irônica faz uma crítica a repressão sofrida nos anos de chumbo e agradece aos militares por permitir ao cidadão fazer tarefas comuns, como respirar ou simplesmente existir. A canção tem o coro da banda “MPB 4”, que junto a melodia da música faz uma crescente, chegando até o fim da canção como se fosse um sufocamento.


Cotidiano

Essa canção fala sobre a rotina de um casal que está junto há anos. A mulher que faz de tudo e ainda ama o marido e o homem que não ama mais sua esposa, mas mesmo assim mantém o casamento em consideração aos anos que já estão juntos. A letra fala de um cotidiano opressivo que faz também uma relação com o cotidiano do povo brasileiro.


Desalento

É uma parceria de Chico Buarque e Vinicius de Moraes e também é a canção mais romântica do disco. A letra fala de um cara arrependido com o que aconteceu e espera a volta da mulher que ama. A canção parece muito um bolero e traz a voz de Chico colocada de uma maneira suave e lírica.


Construção

Essa canção, além de ser uma das mais importantes da carreira de Chico é, também, uma das mais importantes canções da música brasileira. O advogado da gravadora, João Carlos Chaves, levou a canção para ser avaliada pela censura e junto com a música deixou um bilhete pedindo que a mesma fosse censurada; utilizando isso como um truque alternativo para driblar os censores. Os militares, para contrariar o advogado, aprovaram a música que teve sua execução liberada.

A música fala sobre a morte de um operário da construção civil. Naquele momento a construção civil era um dos pilares da economia brasileira e estava em constante evolução. Os operários eram uma classe que trabalhava muito e recebia pouco, muitas vezes sem nenhum equipamento de segurança. O personagem da música acorda, beija sua mulher, almoça, bebe uma cachaça e acaba caindo do andaime, o que o leva a morte. Ao cair do andaime, o operário “atrapalha” o passeio e a passagem das pessoas. Ao início da música, ouvimos um violão e instrumentos percussivos que a transformam em um samba. A medida que a música se desenvolve pode-se ouvir uma orquestra e um coral, o que deixa a música com um clima mais tenso. A música e a letra ganham elementos que quase a transformam em uma obra psicodélica, a medida em que a música chega ao fim.


Cordão

Essa canção é outro claro recado ao regime militar. Na letra, Chico diz que ninguém iria conseguir acorrentá-lo enquanto ele pudesse cantar, nem fazê-lo parar de sorrir e tão pouco fechar o seu coração. O nome sugere uma união entre os brasileiros, para atravessar o difícil momento.


Olha, Maria

Essa música, talvez, seja a mais triste do disco. Composta por Chico Buarque, Tom Jobim e Vinicius de Moraes, contém traços característicos de Antônio Carlos Jobim e seu inconfundível piano.

Samba de Orly

“Orly” é o nome do aeroporto de Paris onde todos os artistas brasileiros que realizavam o autoexílio passavam ao adentrar à França. Nessa letra, Chico canta sobre a saudade que sente de seu país mas se sente aliviado por sair daquela nuvem de tensão em que vivia no Brasil.


Valsinha

Essa canção é quase um poema romântico e retrata um encontro feliz entre duas pessoas. Tem uma melodia triste e a voz de Chico Buarque é colocada de maneira sombra.


Minha História (Gesubambino)

Quando estava na Itália, Chico teve contato com diversos artistas italianos e esse é o principal motivo dessa faixa estar no disco. Essa música é uma versão em português da canção italiana “Gesu Bambino” e conta a história de um menino chamado Jesus, que tornou-se um boêmio e vivia em bares, com prostitutas. Por esse motivo a canção foi censurada e sofreu pressão da igreja católica e Chico não pôde usar o nome que gostaria de dar à ela: “Menino Jesus”. Por fim, a canção foi batizada como “Minha História”.


Acalanto

A faixa fecha o disco e é uma canção de ninar, composta por Chico. Possui violão, violino e flauta e dura menos de dois minutos; deixando outro recado aos militares que comandavam o Brasil naquele período: “Dorme minha pequena, não vale a pena despertar”.


Legado

“Construção” é o auge do amadurecimento musical de Chico Buarque. Após seu lançamento, muita coisa mudou: o Brasil conseguiu se livrar do regime militar em 1985, passou por dois impeachments, diversas crises e outras milhares de incertezas que até hoje rodeiam as terras tupiniquins. Na década de 2000, o LP foi eleito, em uma lista da versão brasileira da revista Rolling Stone, como o terceiro melhor disco brasileiro de todos os tempos. O álbum também encontra-se no livro "1001 Discos Para Ouvir Antes de Morrer", feito por jornalistas e críticos de música internacionalmente reconhecidos. “Construção” segue atual e antológico quase 50 anos após seu lançamento, sempre deixando a esperança de que “Amanhã vai ser outro dia”.



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