O pássaro noturno se esconde na mata, no alto das árvores. Ninguém o vê. Seu canto soturno e obscuro revela a beleza da noite, sua euforia e tristeza. Entre sua calmaria e densidade, o som leve ganha peso ao se propagar na mata escura, dando ao cenário todo o sentido que pede.
A aparência afrontosa da espécie não diminui o misticismo carregado do seu canto sombrio, onipresente nas noites. A aura de onde habita já não é a mesma quando canta: se aprofunda e conta histórias no sopro do vento. Urutau é, por assim dizer, uma experiência de uma forma de vida.
Formado em sua base por Arthur Rodrigues (Cachalote Fuzz) e Anna F. a partir de uma experiência de home studio em meio à quarentena, Urutau (MG) traz seu primeiro álbum em junho de 2021. O disco Donizete parte da narrativa de um músico esquecido que se entrega às esquinas da vida, contexto banhado pelas vivências experimentadas e vistas no interior mineiro.
Para pavimentar os preparativos para o lançamento do álbum, o grupo revela ao mundo o single “Oração”, música que constrói o pano de fundo da natureza e caminhos do personagem apresentado. Com composição de Arthur Rodrigues e Iuri Resende (Cachalote Fuzz), a faixa brinda à música popular e modas de cantador.
“Oração” foi lançada ontem, 20 de maio, e recorre a um tempo e lugar, indo buscar numa Uberlândia dos anos 90 o burburinho das suas ruas e sujeitos. É a partir desse recorte afetivo que o single discorre sobre a figura de Donizete, que para além de um violeiro esquecido é também um sentimento descarrilhado.
Donizete é o cerne das nossas emoções de impulso, do senso de esperança, de se viver a vida pela arte que ela movimenta. Na persona de Donizete encontramos a certeza da queda e o amor pelas coisas.
Trechos como “apenas mais uma cachaça/ vai se transformar em canção” desenham as pelejas dos vícios, da vida noturna, dos botecos mineiros que nunca fecham. É possível enxergar as noites que não se volta para casa, apodrecendo de lugar em lugar, seguindo para que o movimento não cesse e as luzes não se apaguem. “Oração” traz na batida de um baião eletrônico a inevitabilidade da saudade: “um sentimento que bate em forma de oração”.
Urutau flerta com a soma de diversas referências que atuam em protagonismos diferentes da sonoridade - do eletrônico à música popular brasileira, de uma psicodelia interiorana à experimentação de trip hop. Os temas refletem as questões sem fim dos corações inquietos, as entrelinhas do amor, a contestação do óbvio e a completude das diferenças.
