Músico de longa e intensa experiência nos palcos e nos estúdios como instrumentista e produtor, Thiago Peixoto esperou chegar à maturidade para se apresentar como compositor. Perspectiva a que ele foi se habituando em razão da falta de tempo para se dedicar de forma plena aos seus projetos pessoais. Uma espera que, afinal, não aconteceu em vão: o músico inicia agora nova fase em sua carreira com o lançamento de “Interseção”, álbum de estrutura pop que se distingue pela luz própria de seus temas e arranjos e por sua requintada construção sonora.
Como o título sugere, “Interseção” agrega tendências e elementos de tempos e conjunções distintas – e à primeira vista destoantes -, mas que resultam em uma expressão autoral depurada. “Interseção” sintoniza o produtor Thiago Peixoto à sua alma de compositor, une um talento musical a uma filosofia de vida, conecta os ritmos brasileiros a uma linguagem espiritual e apresenta, em perfeita consonância, graciosas canções e instigantes momentos instrumentais. Na trajetória do músico, “Interseção” é o instante que revigora o passado e ao mesmo tempo abre trilhas para o futuro. Como bem enunciam os versos de “Religar” (composição de Ricardo Ulpiano), uma das faixas do álbum.
Em termos musicais, “Interseção” é uma prazerosa viagem pelos ritmos brasileiros, que ganham inventivas combinações entre si e junto a outras linguagens, como a do handpan, instrumento de invenção recente e que o músico adotou há dois anos.
No recheio dessa fluência sonora estão canções líricas com temas caros ao músico – as maneiras de viver, os pequenos prazeres e descobertas, o cuidado com o corpo, a mente e o espírito, os amores plenos, e a integração com a natureza. “Proponho uma música pop que estimule os sentidos, mas que também convide à reflexão”, assinala Thiago. Alguns temas carregam uma mensagem holística (que vem do yoga, prática meditativa na qual Thiago é professor desde 2019). O músico ressalta que suas canções não guardam referência a qualquer religião. “O termo ‘religare’, por exemplo, tem conexão com religião, mas no caso da música “Religar” o sentido é ligar-se consigo mesmo”, explica.
Conexões
Conectividade é um termo que define bem a produção de “Interseção”. As gravações resultaram de uma soma de disponibilidade dos músicos convidados, da compatibilidade de sua experiência como produtor e instrumentista com sua produção autoral e o avivamento de sua ajustada e fecunda parceria com Ricardo Ulpiano, cantor, compositor e produtor que assina as letras de todas as canções e a direção artística e musical do álbum.
A realização de “Interseção” possibilitou a Thiago inaugurar uma série de conexões musicais e resgatar outras. Para cantar, ele chamou Play (“Deixa Ser”), Eda Costa (“À Companheira”), Rafa Dias (“Hand Love”), in memoriam, Coro Bora Cantar Diversidade (Religar”), Felipe de Oliveira (“Ukuva”) e o trio Lúdica Música (Isabella Ladeira, Gutti Mendes e Rosana Britto, que “valorizaram uma canção sobre a qual que eu estava indeciso” – a encantadora ‘Mainimbu’, que acabou sendo lançada como single). “Eu não sou cantor”, justifica, embora divida os vocais com Ricardo Ulpiano em “Levitar”, canção breve e singela que inspira espiritualidade e a necessidade de buscar uma vida mais simples.
O elenco de instrumentistas participantes de “Interseção” inclui Estación Forró (do Chile), Juninho Fiúza (baixo), Carlinhos Ferreira (percussões), Breno Mendonça (sax e flauta), Leonardo Brasilino (trombone), Daniel Tamietti (cello) e Tatá Sympa (acordeom), entre outros do expressivo cenário belo-horizontino, além do paulistano Cosme Vieira (acordeom). Eles promovem uma requintada incursão pelos nossos tradicionais ritmos - xote, forró, samba de partido alto, baião -, incorporando aqui e ali outras sonoridades. “Lampião Nômade, por exemplo, é um baião transfigurado, já que tem um tempero árabe. Como sabemos, a música brasileira tem conexão com a música árabe, a partir da música nordestina”, esclarece Thiago. Além dessa relação com a música árabe, as gravações sugerem conexões também com a world music e a nova MPB.
Aprendizado no estúdio
O interesse pela música e o começar a tocar aconteceram praticamente ao mesmo tempo na vida de Thiago Peixoto. Adolescente ainda, ele começou a trabalhar no estúdio de seu tio Luiz Peixoto (que era também guitarrista da Dib Six, banda especializada em música negra e discoteca, outra forte influência em sua formação). Enquanto desvendava os segredos de um estúdio de ensaio e gravação, Thiago aproveitava as horas de folga para aprender a tocar bateria, como ele mesmo relata: “Nos momentos livres, eu colocava uns discos dos Beatles, em vinil mesmo, e ficava tentando imitar a batida do Ringo. Tinha 13 anos quando comecei”.
Sua primeira experiência com outros músicos ao vivo, coincidentemente, foi junto a uma banda que tocava o repertório dos Beatles. A banda não teve vida longa, mas em pouco tempo Thiago iniciava laboriosa carreira nos estúdios belo-horizontinos. Durante três anos trabalhou como assistente no estúdio do Skank, participando de gravações da banda (como o disco “Cosmotron”) e de outros artistas (Lô Borges, Noivo da Lu/Alexandre Lopes, Chaparral), ao lado de Tom Capone e Rubens de Souza, entre outros renomados produtores. “Nesse período trabalhei predominantemente na produção musical, gravando, mixando, experimentando e desenvolvendo os recursos, aprimorando a técnica. Não tive como continuar com a bateria, pois o estúdio consumia muito o meu tempo”, considera.
Se precisou ‘encostar’ a bateria, a experiência no estúdio, entretanto, abriu novas possibilidades musicais, como a criação em teclados eletrônicos e a expertise em produção sonora, qualidades colocadas em prática na feitura de “Interseção”. “Eu conheço bem a parte técnica dos recursos, fiz gravações de todo tipo de música, incluindo trilha sonora e jingle”, diz. Aptidão que é imprescindível a um produtor e um acréscimo bem-vindo para um compositor e instrumentista. Thiago agrega essas qualidades em seu trabalho autoral, ciente de como cada música pode soar e ser percebida nos mais variados suportes.
Por essa época Thiago Peixoto começou a idealizar alguns projetos autorais, mas precisou interromper o processo para voltar a tocar e, novamente, de forma intensa e ininterrupta. “Toquei durante muito tempo com muitos artistas e bandas”, conta, citando, entre outros, Vander Lee, George Israel (Kid Abelha), a cantora mineira Érika Machado, com quem viajou em turnês, e a banda Putz Grilla, da qual foi baterista por longos 14 anos.
O Handpan como instrumento essencial
Thiago Peixoto se identifica como um baterista que tem competência para tocar qualquer instrumento de percussão, embora não seja percussionista de profissão. Para compor, ele utiliza o próprio handpan e teclados eletrônicos. “Como trabalho frequentemente com música pop, desenvolvi minha capacidade de compor, elaborar sons e ritmos e a minha habilidade no teclado”, afirma. Além disso, participou do curso Engenharia de Áudio e Produção Musical, ministrado por César Santos (pela Faculdade Berkley de Música/EUA) e estudou bateria na Bituca - Faculdade Livre de Música, em 2011.
Mas, hoje, ele sublinha, seu principal instrumento é o handpan (instrumento metálico e cilíndrico à semelhança de um disco voador, que começou a ser difundido somente neste século). O músico conta que a paixão pelo som do handpan surgiu de sua relação com o yoga e a meditação, iniciadas há oito anos (Thiago é também professor de yoga). “O handpan está intimamente relacionado à prática do Yoga e da meditação. É um instrumento que inspira calma, introspecção, cura”, define. Em relação ao nome do álbum, vale destacar que a imagem que designa o “Conjunto Interseção” representa também a formatação do handpan (dois objetos cilíndricos que, aproximados, resultam num objeto oval).
O músico diz que em sua maioria os handpan players têm mesmo uma identificação mais holística, mais introspectiva. “Mas no meu caso, não. Apesar de gostar também da música relacionada à saúde física e mental, tenho uma forte ligação com os ritmos da música brasileira. Um propósito meu é utilizar o handpan junto a esses ritmos e à música pop”, conclui. Thiago Peixoto é um dos poucos handpan players (“tocador” de handpan) em atividade profissional no Brasil.
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