Chico Buarque finaliza o disco “Construção” com uma canção de ninar para sua filha Helena, em que ele diz: “Dorme minha pequena, Não vale a pena despertar, Eu vou sair por aí afora, Atrás da aurora mais serena”. Cinquenta anos depois, constantemente ainda estamos como que Chico nesta busca. Músicas como “Deus lhe Pague”, “Construção” e “Cotidiano” nasceram e renasceram neste meio século, em diversos contextos e movimentos sociais que reafirmaram ou trouxeram novas interpretações para sua mensagem.
Cada vez mais atual e determinante na história da música brasileira e na compreensão como expressão de uma época, “Construção” é agora relançado em CD, em uma reedição especial de 50 anos, pela Universal Music, que gravou o álbum, em 1971, ainda como Philips, sob a produção musical de Roberto Menescal.
“Construção” tinha tudo para ser um sucesso. E foi. Gravado após a volta do autoexílio na Itália, onde Chico conviveu mais proximamente com Vinicius de Moraes, Toquinho e se afinou ainda mais a Tom Jobim, o álbum traz 10 canções inspiradas do artista, tanto do ponto de vista literário, com letras e poesia arquitetonicamente construídas e várias metalinguagens, quanto pela condução musical, incorporando novas sonoridades e densidades às suas canções, em especial por conta dos arranjos do maestro Rogério Duprat (Os Mutantes e a Tropicália) e a direção musical de Magro Waghabi Filho, do grupo MPB4.
A Philips, na época, apostava todas as fichas no compositor. E não poupou esforços para garantir os melhores equipamentos e equipe de gravação. Este era o quinto disco de Chico, que já havia mostrado ser um artista completo e diferenciado, mas não possuía ainda um grande sucesso de ponta a ponta do Brasil. Driblando a forte censura de 1971, como um tricampeão mundial à época, Chico Buarque trouxe com este álbum um banho de arte, lucidez, emoção, verdade e urgência à música brasileira. Por isso, é uma das mais inspiradoras obras para as gerações seguintes, que ouvem Chico Buarque repetidamente e incessantemente, assim como os versos da música “Construção”.
A história do personagem principal operário - ora romântica, ora trágica, ora delirante, ora irônica - caiu no gosto popular como uma luva. Os brasileiros, na época, estavam sentindo na pele muitas transformações sociais. Palavras em alta hoje como pertencimento, acolhimento, inclusão, afeto e gratidão, se você prestar atenção, já flutuavam pelos andaimes do repertório daquela construção de Chico, em 1971.
Entre o amor e as críticas sociais, o álbum pavimenta o caminho para inúmeras obras de Chico e de outros artistas sobre o amor, as relações, a sociedade e a política. Músicas bem diferentes convivem harmoniosamente entre as 10 faixas. Do romantismo de “Desalento” e “Valsinha”, passando pelo alegre e ferino suingue brasileiro de “Cordão” e “Samba de Orly” e ainda nas provocativas “Cotidiano” e “Minha História (Gesubambino)”. Sem falar nas já citadas e dilacerantes “Deus lhe Pague” e “Construção”. E olha que Chico tinha apenas 27 anos ao lançar este trabalho.
Aproveite essa oportunidade de ter em casa uma relíquia da música brasileira para você, seus filhos e netos. Compre online ou nas principais lojas o relançamento de “Construção” e experimente reescutar o álbum na íntegra, seja no CD-Player ou no seu aplicativo de música preferido, sem a urgência de pular faixas; mergulhe no convite de Chico, se doe para a sonoridade e a narrativa dos personagens, se reinspire para os próximos dias.
Porque este álbum é fruto de um segundo momento de carreira e vida de Chico Buarque: Bem mais maduro, depois várias músicas respeitadas lançadas, muitos shows no Brasil e no exterior, vivência em outros países, paternidade recente, tudo que move um ser-humano a injetar mais energia na sua paixão, no seu feijão e no seu sonho. E todo o Brasil o entendeu e, desde lá, vem buscando novas auroras com artista. O resto, é história...
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