Por: Guilherme Moro, com colaboração de Rian Fernandes
Uma das mais conceituadas compositoras e intérpretes da música brasileira, Zélia Duncan comemora 40 anos de carreira de uma maneira um tanto quanto diferente. Ao invés das tradicionais releituras de clássicos e canções “lado b”, Zélia opta por um álbum inédito e cheio de coisas a dizer. Em “Pelespírito”, ela transformou suas dores e dúvidas em música, quase como um refúgio em meio ao caos. “Esse álbum tem a particularidade de a gente estar em um momento especialmente melancólico e misterioso. Todos nós temos que procurar um pouco essa vontade de viver. Vejo isso muito com meus colegas e comigo também, principalmente por estarmos longe dos palcos. Desejo que esse álbum console as pessoas da maneira que ele me consolou. Comecei a compor o álbum em março, com outras pessoas e também com o Juliano Holanda (compositor de todas as faixas do álbum, ao lado de Zélia), mas com ele foi um jorro e decidi fazer o álbum só com as nossas músicas. Na verdade estou tentando compor desde que começou tudo isso”, disse Zélia, em coletiva de imprensa realizada nesta terça (25).

Além de celebrar os 40 anos de carreira, “Pelespírito” marca a volta da cantora à Universal Music. Foram 8 anos na gravadora, lançando quatro discos de estúdio e um ao vivo. Ela falou sobre a importância dessa volta no lançamento de um trabalho tão especial como esse: “Olha, o álbum já estava pronto. Quem sugeriu a ideia de procurar a Universal foi a Denise Costa, que cuida do meu selo e é minha advogada. Ela me disse: ‘Poxa, Zélia! O seu maior catálogo está na Universal, eles estão com pessoas muito legais lá dentro e o presidente é o Paulo Lima’. Há 20 anos o Paulo estava no estúdio quando eu gravei ‘Alma’, então o nosso contato começou a ser muito prazeroso e está fazendo muita diferença pra esse álbum. Faz tempo que eu não sentia tantas pessoas lutando pra fazer algo dar certo. Sinto que eles gostam do álbum, isso é muito bacana. É uma boa volta, uma parceria na verdade, pois eu não sou artista da Universal, volto como uma parceira. Eles estão me ensinando coisas e eu mostrando como é o meu jeito hoje pra eles. ‘Alma’ está fazendo 20 anos e a gente achou divertido porque eu fiz ‘Alma’ e agora ‘Pelepírito’. É um desejo de que o céu possa nos envolver e amenizar um pouco. Foi um timing muito interessante. Tenho álbuns muito queridos que foram lançados pela Universal, como ‘Pelo Sabor do Gesto’ , ‘Pré-Pós-Tudo-Bossa-Band’, ‘Sortimento’, que é o álbum que tem ‘Alma’ e parece que eles vão lançar o vinil em comemoração aos 20 anos e também vai ter o vinil do ‘Pelespírito’, que é lindo de morrer. Minha mãe sempre dizia: ‘Quem à meus filhos beija, minha boca adoça’, então minha boca tá docinha de ver esse filhote sendo tratado como está sendo. Confesso que eu não sabia que estava precisando sentir isso. Já há algum tempo eu sou uma artista independente, mas essa volta teve um aspecto gostoso de voltar pra casa."
O álbum foi gravado entre 2020 e 2021 em vários home studios. Zélia e Webster Santos gravaram em suas respectivas casas, em São Paulo, Juliano Holanda em Pernambuco, Léo Brandão em Curitiba, Christiaan Oyens em Londres e Ézio Filho no Rio de Janeiro. E assim o projeto nasceu em plena pandemia.
Ao longo desses seus 40 anos de carreira, Zélia Duncan lançou 15 discos, cinco DVDs solo, ganhou vários prêmios, Discos de Ouro e de Platina, participou de inúmeros trabalhos junto a grandes nomes da música brasileira, realizou vários projetos importantes, entre eles o CD e DVD “Eu Me Transformo em Outras” (2004), e fez parte da nova formação do grupo Os Mutantes (2007).
“Pelespírito” é um álbum instigante, cheio de perguntas que não são fáceis de serem respondidas. Soa como um grito que vem da alma, palavra que foi muito citada por Zélia em sua fala. O disco é eclético, emocionante, confessional, íntimo e em algumas faixas se aproxima da melancolia. A importância de Juliano nas composições é notória e fundamental para o andamento da obra. “Tudo Por Nada" traz o timbre brilhante de uma viola caipira, que deixa o disco mais vibrante. Não haveria maneira melhor de comemorar os 40 anos de uma cantora tão tradicional: um disco moderno, atual, com importância social em meio à tempos tão difíceis. “Viramos Pó”? Graças a Zélia Duncan, não. Que bom que ainda temos artistas que ainda tem coisas importantes para dizer.