O grupo carioca fez de seu terceiro álbum, “Íngreme”, um relato da sua escalada no cenário internacional e da queda livre em que o Brasil se encontra, servindo também como um manifesto pela resistência. Este é o disco que inclui as faixas “Outros Santos” e “Essência Bruta”, escolhidas para ganhar o registro audiovisual em um território já conhecido pela banda: uma região de Búzios onde residiram. Não por acaso, o curta-metragem mostrou-se também uma oportunidade de abordar o passado escravocrata do Brasil, ainda muito presente nas ruas.
“Emerências é como carinhosamente chamamos o bairro e a praia de José Gonçalves, em Búzios, por conta da serra na mesma região. Moramos lá por cerca de um ano. José Gonçalves é o nome de um traficante de escravos com forte atuação pós 1850, ano em que foi assinada a Lei Eusébio de Queirós, que previa o fim do tráfico negreiro e sinalizava a abolição da escravatura no Brasil. Não sabemos por que motivos hoje, em 2022, um lugar tão incrível continua a ser chamado pelo nome de um traficante de escravos. Entendemos que a história não deve ser esquecida, mas que há outros meios de preservação que não esse, atualizando essa violência histórica. Para o Oruã, um novo nome possível para a região seria Emerências”, sinaliza a banda.
Dividido em duas partes, o videoclipe de “Outros Santos” e “Essência Bruta” busca em tonalidades fantásticas produzir impressões que reviram as conformações naturais e históricas do espaço em que se insere, ao mesmo tempo que reinventa vivências cotidianas. “Outros Santos” inicia com um passeio de bicicleta em uma praia aparentemente deserta, onde pequenas ações tomam proporções misteriosas. Sob atmosfera ora realista, ora delirante, “Essência Bruta” sinaliza o universo da estrada, no interior do carro, em viagem rumo a movimentos internos dos personagens nas paisagens que percorrem. Filmado em Armação dos Búzios, o clipe se apresenta inicialmente como uma narrativa linear, para aos poucos adentrar um tipo de vórtex de experiências e sensações.
O lançamento retoma os trabalhos do álbum “Íngreme” no momento em que Oruã vai pegar a estrada nos EUA, com shows anunciados em 11 estados americanos abrindo novamente para o Built to Spill, referência no cenário do indie rock e cujo novo disco sai pela SubPop no início da turnê, em setembro. Antes disso, Oruã comemora o lançamento do curta com dois shows no Brasil: no dia 16/06, no Espaço Cultural Arlindo Cruz, no Rio de Janeiro; e em 18/06, no Estúdio Lâmina, em São Paulo. No dia 08/07, na Arena Carioca Jovelina Pérola Negra (também no Rio), a banda é uma das atrações do festival Itinerância Rebel.
Sobre Oruã:
Nas palavras de Lê Almeida, “Oruã é filho do centro do Rio de Janeiro, nasceu à noite e frequenta os bailes pela madrugada. Free jazz de pobre. Kraut de vagabundo. Sem neurose.” Cru e sofisticado, de tonalidade ocre, o som do conjunto não se encaixa na paleta de cores artificiais de uma onda neo-psicodélica cada vez mais dependente de investimentos em pedais e efeitos. Com afrobeat, Clube da Esquina, alguns clássicos da Matador Records, riffs setentistas, amuletos e fitas cassetes na bagagem, a banda embarca numa viagem sem volta para fora da curva.
O terceiro disco de Oruã coroa uma trajetória iniciada em 2016, após sessões de improviso no Escritório, sede da Transfusão Noise Records, no centro do Rio de Janeiro. Naquela época um trio que somou mais de dez colaboradores, Oruã viu nascer seu primeiro álbum no ano seguinte, com lançamento nos Estados Unidos pela IFB Records.
Ao longo de 2018, a banda circulou por todas as regiões do Brasil e chegou ao Uruguai. Entre os percursos, gravou o segundo disco. Também lançaram parcerias com Laura Lavieri (em um cover de “Vou Recomeçar”, consagrado na voz de Gal Costa), goldenloki e marianaa. O EP “Tudo Posso” incorporou saxofones e levou a banda pelo free jazz garageiro. Por fim, veio o elogiado “Romã”, que expandiu a conexão com o noise e o lo-fi e possibilitou a mais recente turnê internacional de Oruã.
No álbum “Íngreme”, o retrato sonoro da caminhada vai se desdobrando em outras paisagens – mais verdes, percussivas e espirituais, enquanto desbravam pela primeira vez um estilo de vida diferente. Nada a ver com tranquilo, mas um estilo de vida de fato independente. Livre. Crescido nas adversidades, filho de uma década turbulenta, Oruã não teme. Em 2022, após mais de cinco anos de atividade, depois de percorrer as mais variadas estradas, a banda não esquece do que e de como a caminhada foi feita ao mesmo tempo em que agradece. É, finalmente, o momento da colheita.
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